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“Não vou deixar meus bichinhos sozinhos”: Catadora luta pela sua sobrevivência e de seus animais de estimação em Porto Alegre

O Pimp My Carroça convocou parceiros da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para registrar o perfil de catadoras e catadores atingidos pelas inundações na capital gaúcha. Com as presenças e registros de Negra Jaque, DKG e Alass Derivas, essas pessoas contaram suas histórias e compartilharam suas sensações e perspectivas deste momento histórico na luta pela justiça climática numa das principais cidades do país.

Uma dessas pessoas é Gisele Alves da Silva, catadora de 43 anos, moradora da Vila dos Papeleiros desde os 19 anos e tutora de 18 gatos e 2 cachorros. Ela recebeu nossa equipe em sua casa, onde perdeu tudo que tinha: móveis, eletrodomésticos, recordações. Mas para Gisele, o mais importante é garantir a saúde de seus bichinhos. Sem trabalho na Cooperativa Anjos da Reciclagem e sem nenhum benefício, sua luta é pela própria alimentação e de seus animais de estimação. 

Foto: Alass Derivas (@derivajornalismo / @pimpmycarroca).

“Meu nome é Gisele. Moro aqui desde os 19 anos e agora tenho 43. Sempre trabalhei com reciclagem, puxando carrinho, e agora estou em uma cooperativa de reciclagem.”

Você já trabalhava na cooperativa antes da enchente?

“No dia da enchente, estava na cooperativa. Paramos ao meio-dia e, quando cheguei em casa, começou o tumulto. A água começou a entrar na cooperativa, e quando cheguei em casa, os tampões da vila tinham estourado. Começou a entrar água, e eu estava varrendo com uma vassoura, sem acreditar. Quando saí, a água já estava entrando. Foi tudo muito rápido.”

Você não voltou lá depois?

“Não, está tudo alagado. Agora que a água baixou.”

Muita gente da vila trabalha na cooperativa?

“Sim. Eu, a Branca, a Jose, a Claudinha. Somos umas 4-5 pessoas. Todo mundo parou, não tem como trabalhar assim.”

Como você saiu?

“Saí porque a água já estava aqui e o Ismael me pegou, porque eu não ia sair. O Salim, meu cachorro, quis sair, então eu o soltei. Mas eu não queria. Era minha casa, perdi tudo o que estava aqui embaixo. Não sei se minha geladeira está funcionando, só a lavei. Eu tinha armário, armário de compras, louças, fogão, tudo isso perdi. A água entrou até ali em cima, virou uma piscina. Eu não queria ir embora, passava a noite toda olhando a escada para ver se a água subia. Não sei nadar, estava apavorada, rezando para Deus. A casa estava gelada. Decidi descer, machuquei o pé, caí no chão, achei que ia morrer. Sem luz, corria de um lado para o outro. Queria ficar por causa dos meus animais. Fiquei chorando onde eu estava porque eles ficaram 10 dias sem comer. Uma amiga veterinária disse que viria trazer ração para os gatinhos. Quando cheguei em casa, meus filhos e filhas apareceram, fiquei feliz. Só faltaram dois, que ainda não encontrei. Estavam muito assustados, só miavam e não chegavam perto de mim. Mas quando comecei a chamá-los, eles vieram.”

Quais são os nomes dos que faltam?

“Belinha e Nenê. Eles e os dois cachorrinhos que estão em Viamão. Fui para uma casa que o pastor conseguiu, um salão de festas. Ele disse para levar os bichinhos, mas não puderam entrar. Fiquei na rua com eles, em um prédio abandonado. Não vou deixar meus bichinhos sozinhos.”

Foto: Alass Derivas (@derivajornalismo / @pimpmycarroca).

Não te deixaram ficar por causa dos pets?

“Fiquei em um salão de festas que o pastor conseguiu. Comia lá, mas não podia ficar lá dentro por causa dos cachorros. Eu poderia ficar, mas eles não.  Eu amo bicho, amo animal. Optei pelo prédio abandonado. Fiquei lá por mais de 10 dias, uns 15. Depois minha família de Viamão me levou para lá por causa do meu pé, que estava ruim. Peguei uma bactéria na enchente. Criou uma bola, podia ter perdido o pé.”

Quando começou na reciclagem?

“Trabalhava com carrinho, puxava. Desde os 19 anos. Aos 27-28 anos, já estava cansada, então fui trabalhar com reciclagem. Mas ainda não comecei porque alagou. É uma cooperativa na Castelo que tem duas reciclagens. Não comecei por causa do pé e porque está alagado. É na Cooperativa Anjos da Ecologia. Eu trabalho lá, mas como parou, ainda não fui ver. Não sei quando vamos voltar. Não dá para voltar, tudo estragou, virou barro.”

Como você está vivendo?

“Comendo só bolacha. Como de manhã, de tarde e de noite. Quando tenho 1 real, 2 reais, vou lá e tomo um cafézinho. Vou me virando assim. Ontem uma vizinha fez comida e me deu, comi tudo. Fiquei 4-5 dias sem comer comida, só bolacha e água. Quando isso passar, não quero mais bolacha.”

Foto: Alass Derivas (@derivajornalismo / @pimpmycarroca).

E sobre o futuro?

“Penso em arrumar tudo, ter força para conseguir dinheiro e arrumar tudo. Esquecer o passado e viver uma nova vida. Pretendo isso. Graças a Deus o pesadelo acabou. É uma vida nova, tentar reconstruir, conseguir ajuda para os animais. Não pode ser qualquer ração senão eles param de urinar e morrem. Um pacote de 20 quilos custa 250 reais, então estou juntando dinheiro.”

Vocês não têm receio de alagar novamente?

“Ontem mesmo choveu e fiquei apavorada. Olhando pela janela, meu Deus, a rua está enchendo. Qualquer chuvinha me deixa nervosa. A rua está enchendo de novo, que não encha minha casa, que não encha a vila, nos proteja. Ficamos com medo, porque o Guaíba sobe, desce e sobe de novo. Complicado, a gente fica com medo. Ainda estou com medo.”

Foto: Alass Derivas (@derivajornalismo / @pimpmycarroca).

Campanha de Solidariedade aos catadores do Rio Grande do Sul

Renda emergencial para os catadores e catadoras afetados pelas enchentes na região metropolitana de Porto Alegre e Vale do Sinos. Acesse a benfeitoria, onde está detalhado nosso  plano de ação, que visa ajuda emergencial em duas etapas: https://benfeitoria.com/projeto/solidariedadeaoscatadoresdors 

Esta iniciativa convoca a sociedade civil, empresas e o poder público a somarem esforços numa grande Campanha de Solidariedade aos Catadores e Catadoras do Rio Grande do Sul, promovida por uma Rede Colaborativa que está aberta para adesões. Os valores arrecadados serão destinados para as catadoras e catadores que estão sendo mapeadas pelas organizações.

Participam: Associação Nacional dos catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), União Nacional de Catadores e Catadoras de Material Recicláveis (Unicatadores), International Alliance of Waste Pickers/ Aliança Internacional de Catadores (IAWP), Pimp My Carroça, Frente parlamentar dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (FRECATA), Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária (ORIS), Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB), Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias), Fundação Avina e Oceana Brasil.

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