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“Se colocassem carrinheiros pra fazer a limpeza da cidade, seria um trabalho nota dez”, diz liderança histórica de catadores em Porto Alegre

O Pimp My Carroça convocou parceiros da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para registrar o perfil de catadoras e catadores atingidos pelas inundações na capital gaúcha. Com as presenças e registros de Negra Jaque, DKG e Alass Derivas, essas pessoas contaram suas histórias e compartilharam suas sensações e perspectivas deste momento histórico na luta pela justiça climática numa das principais cidades do país.

Uma dessas figuras é Antônio Carboneiro, liderança de 77 anos da Vila dos Papeleiros, em Porto Alegre/RS. Presidente da Arevipa, Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros, hoje não puxa mais carrinho por ter perdido uma perna, mas segue representando a luta das catadoras e catadores através de sua vivência, da manutenção do Museu de Resgates e de projetos como a biblioteca itinerante em seu carrinho. Sua vida é repleta de memórias importantes para a cidade e a sociedade.

Foto: Alass Derivas (@derivajornalismo / @pimpmycarroca).

“Eu sou um papeleiro, conhecido em Porto Alegre, RS, Brasil e no mundo porque essa vilinha me levou longe. Viajei por 17 estados do Brasil, Brasília e até mesmo à França. Já imaginou um papeleiro na França? Fui lá representar a cidade de Porto Alegre em 2005 – cidade modelo para o mundo”, apresenta-se Antônio Carboneiro.

Como você começou a trabalhar como catador e na reciclagem?

Antônio Viana Carbonero, cai nessa vila de paraquedas. Eu vivia para a família, trabalhando numa empresa que não sustentava minha família. Sempre trabalhei informalmente: algodão, churros, banca de flores, onde ganhava mais para sustentar minha família. Pela falta de serviço, dois meninos que trabalhavam aqui na comunidade, na maloca, me mostraram o trabalho do catador, achei bacana e vi que dava dinheiro. Comecei a trabalhar.

Na segunda semana, os guris me arrumaram um carrinho. Eu era muito conhecido no centro, mas saía com o boné na cara de vergonha por trabalhar com o carrinho. Mas aí comecei a ver que era um trabalho digno. Aí escancarei a cara mesmo. Tinha uma moça que fazia trabalho comunitário e ela me chamou para ir a uma reunião. Pensei que saco, ir lá com o carrinho numa reunião. A primeira foi na secretaria de saúde. Eu não falava. Cheguei na reunião e a doutora disse que escreveria e eu falaria. Aí que eu não falaria mesmo. Na hora da minha fala, descrevi o jeito que eu vivia na vila: amassando barro, rato, barata. Resumindo, eu falava do meu tipo de vida em nome da comunidade toda, porque eu passava o que todo mundo passava. Daí começou, outra senhora perguntou se conhecia o orçamento participativo. Aí fui para o orçamento participativo, me deram um microfone, uma pessoa tímida, um monte de gente olhando, parece marimbondo. Contei a mesma história. Naquela reunião, transformou-se em Vila dos Papeleiros. Essa vila não existia, era um bando de moradores de malocas. Para a cidade não existia, era uma cidade fantasma. Aí comecei a trazer política para dentro. Eu não sabia como falar com o prefeito. Ele disse que era um empregado a meu serviço. Então, sou patrão e posso tratá-lo de qualquer jeito, como amigo prefeito.

Foto: Alass Derivas (@derivajornalismo / @pimpmycarroca).

Por que a vila se chama Vila dos Papeleiros?

Porque aqui antigamente era 100% papeleiro. Muitos galpões vieram para a vila e não saíram mais. Eram pessoas que trabalhavam na Paraíba e vieram para cá. O que aconteceu aqui: antigamente, o currículo com endereço aqui ia para baixo, hoje os filhos têm oportunidades melhores. Hoje já não é mais, é Loteamento Santa Teresinha. Em homenagem à igreja que acolhe muito. Por exemplo, quando fizemos o processo de luta por moradia, queriam nos tirar daqui e levar para longe, para a Restinga. Mas me baseei numa lei que diz que onde você busca o pão, não pode sair. Se a renda vem do centro, temos que ficar aqui. Nós e os da Floresta somos os primos pobres aqui, o entorno não nos engole. Eles fazem pressão para nos excluir daqui, mas todo o dinheiro que entra na vila, teve parte do governo, mas todo o resto de bancos de fora. Não dependeu só da prefeitura. Teve uma ocasião na Câmara dos Deputados, me chamaram e disseram: por que vocês fizeram o bairro e não comunicaram o entorno? Disse graças a Deus que vocês não sabiam, senão iam embargar. Queriam um shopping para mais de 800 pessoas. Perguntei se o shopping seria para os papeleiros, mas não nos deram resposta. Poderia ser lazer para a Floresta, mas tem um lá em cima, por que outro aqui?

Como é a vila, como sua família foi atingida pela enchente?

Para mim, nunca imaginei. A vila já teve dois incêndios grandes, mas enchente nunca pensei. Todas as casas perderam tudo dentro. Quem é casa térrea, perdeu tudo. Para nós foi um baque muito grande, mas tem uma coisa: o brasileiro não desiste nunca. Já estou começando a erguer a vila de novo. Quantas pessoas vão nos ajudar para voltarmos ao que era.

Saiu de casa?

Não saí, me tiraram. A vila foi toda. Tem muita gente nos abrigos ainda. Estava na minha filha, mas não é como estar em casa. Com a entrevista de hoje, eu queria estar aqui desde ontem, mas não tinha onde ficar.

Foto: Alass Derivas (@derivajornalismo / @pimpmycarroca).

O que vocês precisam agora?

O que aparecer, estamos pegando. O que precisamos de imediato: cama, guarda-roupa, colchão. Tudo que estava embaixo se perdeu. Uma coisa eu garanto, vem aqui de novo, daqui um mês, dois meses, vocês vão ver tudo modificado. Porque aqui é uma vila de trabalho, todo mundo tem um jeito de viver, principalmente o carrinheiro. Por isso a lei é um problema. O que essa gente vai fazer? Não é a hora de tirar os carrinhos. Eles são essenciais ainda. O governo tem que se unir com os carrinheiros para manter o trabalho deles.

Vou tirar sua câmera e você não vai filmar mais. Você até vai trabalhar, mas vai trabalhar com medo. Se chegar num papeleiro e dizer que vamos dar um serviço com um salário mínimo por mês, não. Um salário mínimo não paga. Trabalhando na rua, ganha uma geladeira, um fogão, um sacolão. Tem amigo, amiga que dá 50 pila. No fim do mês, rende mais que um salário mínimo. As coisas que tenho em casa, foram todas ganhadas. Sou um carrinheiro com muito orgulho.

O que você pensa do futuro, depois de tudo isso que estamos enfrentando?

Depende do governo, eles vão olhar melhor para nós. Sou papeleiro, o que fiz? Uma biblioteca itinerante no carrinho. Temos um museu de resgate, coisas que são largadas no lixo e resgatamos para guardar a história do passado: telefone antigo, máquina de escrever, televisor, rádio. Tudo catalogado direitinho e temos um projeto: o Museu de Resgate. Uma hora ele vai sair do papel para a realidade. A biblioteca itinerante funciona assim: temos os livros, você chega e pega o livro, não paga nada, leva um livro na condição de você voltar com ele. Se não voltar, passa para outra pessoa e aceitamos doações de livros também. Porque o brasileiro não tem cultura de ler livros, e minha vontade com a biblioteca é que as pessoas leiam um livro, vão pegando o hábito. Para mim é interessante e foi um sucesso, já participei três vezes da Virada Sustentável. Ela ficou exposta no Santander, circulou bastante.

Vocês receberam algum contato do poder público para apoio?

Não, nada. Nenhum dos auxílios.

Foto: Alass Derivas (@derivajornalismo / @pimpmycarroca).

Campanha de Solidariedade aos catadores do Rio Grande do Sul

Renda emergencial para os catadores e catadoras afetados pelas enchentes na região metropolitana de Porto Alegre e Vale do Sinos. Acesse a benfeitoria, onde está detalhado nosso  plano de ação, que visa ajuda emergencial em duas etapas: https://benfeitoria.com/projeto/solidariedadeaoscatadoresdors 

Esta iniciativa convoca a sociedade civil, empresas e o poder público a somarem esforços numa grande Campanha de Solidariedade aos Catadores e Catadoras do Rio Grande do Sul, promovida por uma Rede Colaborativa que está aberta para adesões. Os valores arrecadados serão destinados para as catadoras e catadores que estão sendo mapeadas pelas organizações.

Participam: Associação Nacional dos catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), União Nacional de Catadores e Catadoras de Material Recicláveis (Unicatadores), International Alliance of Waste Pickers/ Aliança Internacional de Catadores (IAWP), Pimp My Carroça, Frente parlamentar dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (FRECATA), Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária (ORIS), Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB), Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias), Fundação Avina e Oceana Brasil.

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